O projeto de lei enviado pelo governo Jair Bolsonaro
para mudar a lei de cotas para trabalhadores com deficiência quer mexer também
no valor das aposentadorias de quem ficou afastado da atividade.
A proposta revoga um trecho da Lei de Benefícios da
Previdência Social que prevê a inclusão dos valores recebidos como benefício
por incapacidade nos cálculo da média salarial.
O efeito para a aposentadoria dependerá de quanto
tempo o trabalhador passou afastado do trabalho. Quanto maior a duração do auxílio-doença
ou da aposentadoria por invalidez, maior o efeito sobre o cálculo da média
salarial.
“Os salários de benefícios contam para o cálculo,
para a definição dessa média. Se eu ficar dois anos recebendo R$ 3.000 de auxílio,
esses valores e o período entram no cálculo como se fossem os meus salários”,
diz a advogada Carolina Centeno, do Arraes e Centeno.
Como a proposta do governo não mexe no artigo que
prevê a inclusão do período de afastamento como tempo de contribuição, a regra,
se aprovada, criará uma situação excepcional na qual os meses ou anos serão
considerados para o cumprimento do requisito, mas os valores, não.
Para Carolina Centeno, a mudança só não afetará o
trabalhador que ficar afastado por pouco tempo, como um ou dois meses. “Mas tem
gente que fica muito tempo afastado, que trabalhou dois, três anos e passou por
vários afastamentos”, afirma.
A legislação previdenciária estabelece que o período
de afastamento, seja por um auxílio-doença, seja por uma aposentadoria por
invalidez, pode ser contado como tempo de serviço, desde que tenha sido
intercalado com contribuições. É o caso do trabalhador que fica afastado e
volta ao trabalho um tempo depois.
O advogado Roberto de Carvalho Santos, do Ieprev
(Instituto de Estudos Previdenciários), diz que o prejuízo no cálculo dependerá
da duração do afastamento, pois pode deixar um buraco de contribuições. “Cria
uma situação na qual a pessoa teria que fazer o recolhimento ao INSS para
evitar essa falha na média salarial”, afirma.
Um mecanismo que pudesse restringir o efeito dos
afastamentos nas aposentadorias já era estudado desde janeiro, quando o governo
enviou a medida provisória (depois convertida em lei) que renovou o pente-fino
nos benefícios por incapacidade e criou um programa de revisão nas
aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais.
Na época, porém, o plano era que o período não
valesse na carência, que é o tempo em que efetivamente são feitas contribuições
ao INSS. Essa conceituação não fazia muita diferença para quem se aposentava
por tempo de contribuição, mas, em muitos casos, impedia a concessão do benefício
por idade.
Para o INSS, a carência -esse tempo mínimo de
recolhimentos efetivamente pagos- é de 15 anos para as aposentadorias por idade
ou por tempo de contribuição. No benefício por idade, esse entendimento importa
porque uma período de afastamento muito longo que ficasse fora da contagem
representava mais tempo na ativa.
Uma mulher que tenha ficado afastada por dois anos
após um período de dez anos de atividade, ao voltar ao trabalho ainda precisará
de cinco anos de contribuição, pois os dois anos não serão contados como carência.
Na Justiça Federal, o INSS perde. Em mais de uma ação
civil pública, a decisão foi pela contagem mais favorável aos trabalhadores.
Isso aconteceu em ações da Defensoria Pública da União
no Rio de Janeiro e na Paraíba, e do Ministério Público Federal em Minas Gerais
e no Rio Grande do Sul. No STJ (Superior Tribunal de Justiça), o instituto também
perdeu.
Em São Paulo, o IBDP (Instituto Brasileiro de
Direito Previdenciário), no início deste ano, pediu que a Justiça Federal
obrigasse o INSS a cumprir decisão da 6ª Vara Previdenciária.
ISENÇÃO
No mesmo projeto de lei, o governo prevê abrir mão
de R$ 244 milhões em receitas previdenciárias, em 2020, como efeito da isenção
que pretende conceder às empresas que enviarem seus trabalhadores para a
reabilitação profissional.
Em 2021, a previsão é perder R$ 442 milhões, e R$
530 milhões, em 2022. Essa renúncia deve ser iniciada, segundo a proposta do
governo, a partir do retorno do empregado ao trabalho e vai durar 12 meses. A
vantagem não será oferecida nos casos em que afastamento ocorrer por acidente
de trabalho na mesma empresa. Quem tiver essa isenção terá de manter o funcionário
reabilitado por pelo menos 12 meses.
Na justificativa encaminhada ao Congresso, o
ministro Paulo Guedes, da Economia, diz que o “aperfeiçoamento das políticas de
reabilitação profissional tem potencial para reduzir as aposentadoria por
invalidez”. O governo estima economizar R$ 300 milhões, em 2020, R$ 900 milhões,
em 2021, e R$ 1,4 bilhão, em 2022.
O equilíbrio das contas a partir dessa desoneração
parcial poderá ser gerado também com a arrecadação ao novo programa de
reabilitação. A reformulação dessas ações já era prevista na Medida Provisória
905, que criou o programa Verde Amarelo de estímulo ao emprego de jovens.
DEFICIÊNCIA
Outro ponto trazido pelo projeto de lei foi a criação
do direito ao auxílio-inclusão, previsto na Lei Brasileira de Inclusão, o
Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015.
Hoje, a pessoa com deficiência que recebe o BPC
-benefício assistencial no valor de um salário mínimo- perde esse direito ao
conseguir trabalho. O auxílio será de R$ 499 neste ano, metade do BPC.
As regras previstas pelo governo preveem que o
trabalhador com deficiência moderada ou grave poderá pedir o auxílio quando conseguir
um emprego, desde que a remuneração seja de até dois salários mínimos, o
equivalente a R$ 1.996 neste ano.
A implantação foi considerada positiva por
representantes dos trabalhadores com deficiência, mas as regras, um pouco
excessivas. A consultora Tabata Contri, da Talento Incluir, diz que havia um
pleito pelo pagamento de um auxílio que estimulasse e desse segurança na busca
por emprego.
“Muita gente tem medo e é até desestimulada a buscar
emprego, porque se ela é demitida, precisa começar de novo o processo do Loas
[Lei Orgânica da Assistência Social, que criou o BPC]”, diz Tabata.
O auxílio-inclusão viria então como um suporte na
manutenção do trabalho e uma segurança financeira provisória. Ele é cortado se
o trabalhador voltar ao BPC, se aposentar ou começar a receber o
seguro-desemprego.
“Seria uma uma forma de ajudar a pessoa com deficiência
a se manter trabalhando. Ela leva em consideração que a cidade não é acessível
e por isso, a pessoa com deficiência acaba enfrentando mais desafios em relação
a mobilidade, custos com órteses/próteses e equipamentos de tecnologia
assistiva, por exemplo”, diz Aline Morais, diretora da Santa Causa, consultora
de inclusão.
Segundo o projeto de lei do governo, caberá ao INSS
a operacionalização do benefício e os valores sairão do orçamento do Ministério
da Cidadania.
FOLHA PRESS