Por
8 a 3, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira, 13,
enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo. Dessa forma, os ministros do
Supremo entenderam que a legislação sobre racismo, em vigor desde 1989 no País,
também deve ser aplicada para quem praticar condutas discriminatórias
homofóbicas e transfóbicas, sejam elas disparadas contra a homossexuais,
transexuais ou contra heterossexuais que eventualmente sejam identificados pelo
agressor como LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais).
O
tribunal também fez ressalvas, no sentido de deixar claro que a repressão
contra essas condutas não restringe o exercício de liberdade religiosa. Ou
seja: fiéis, pastores e líderes religiosos têm assegurado o direito de pregar
suas convicções, desde que essas manifestações não se convertam em discursos de
ódio, incitando hostilidade ou a violência contra a comunidade LGBT.
Por
exemplo: um pastor pode dizer que a homossexualidade é pecado, mas se defender
a violência contra homossexuais essa conduta pode agora ser enquadrada como
crime de racismo.
A
legislação sobre racismo prevê penas de um a até cinco anos de reclusão para
quem negar emprego, ou impedir acesso ou recusar atendimento em hotel,
restaurantes, bares, estabelecimentos comerciais ou impedir o casamento ou
convivência familiar e social para pessoas por conta de raça ou cor.
A
decisão do STF, considerada histórica por integrantes da Corte, servirá de
baliza para orientar decisões judiciais nas diversas instâncias do País. Ao
todo, o tribunal dedicou seis sessões plenárias para discutir o tema, no
julgamento mais longo ocorrido até aqui durante a presidência do ministro Dias
Toffoli, que assumiu o comando do tribunal em setembro do ano passado.
“O
bom seria que não tivéssemos de enfrentar esse tema em pleno século XXI, no ano
de 2019”, disse Toffoli, ao dar o último voto na sessão.
A
discussão sobre a criminalização da homofobia provocou algumas divergências
dentro da Corte. Dos 11 ministros, 10 votaram para declarar omissão do Congresso
Nacional ao não ter aprovado até hoje uma lei sobre o tema – o único voto
contrário nesse sentido foi o do ministro Marco Aurélio. Quanto à
criminalização, 8 magistrados votaram para que as condutas homofóbicas e
transfóbicas sejam enquadradas como racismo – discordaram desse segundo ponto
Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.
Ao
abrir uma divergência parcial dos colegas, Lewandowski disse que causa
“repugnância” as condutas preconceituosas de qualquer tipo, mas observou que
apenas o Congresso Nacional poderia criminalizar a homofobia. “A Carta Magna é
clara: apenas a lei, em sentido formal, pode criminalizar uma conduta”,
afirmou.
Ellwanger
Relator
de uma das ações sobre a criminalização da homofobia, o ministro Celso de Mello
utilizou um precedente de um caso julgado pelo próprio STF, em 2003. Na
ocasião, o Supremo manteve a condenação do editor Siegfried Ellwanger por crime
de racismo devido à publicação de livros que discriminavam judeus. Tanto
naquela época, quanto agora, o tribunal avaliou que o racismo é um conceito
amplo, de dimensão social, que não se limita a questões de cor ou raça.
“O
conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além
de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto
manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada
pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico,
à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da
dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável
(LGBTI+), são considerados estranhos e diferentes”, disse Celso de Mello.
Procurado
pela reportagem, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ),
criticou a postura do Supremo de enquadrar a homofobia como racismo por conta
própria, sem uma lei sobre o tema. “A Câmara aprovou a criminalização da
homofobia no final de 2006 e o Senado arquivou. Mesmo que o Congresso não
tivesse legislado, na minha opinião, não caberia ao Supremo Tribunal Federal
criar tipo penal via interpretação”, afirmou Maia, em nota enviada pela
assessoria.
O
presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não havia se manifestado até a
publicação deste texto.
Entenda:
Quem
moveu as ações?
São
duas ações. Uma foi movida pelo Partido Popular Socialista (PPS) e a outra,
pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis,
Transexuais e Intersexos (ABGLT).
O
que querem o partido e a entidade?
Os
proponentes das ações pedem que o Supremo declare o Congresso Nacional omisso
por não ter votado até hoje um projeto de lei que criminaliza a homofobia. É
solicitado ainda que a Corte dê um prazo final para que os parlamentares
aprovem uma legislação criminal para punir especificamente violência física,
discursos de ódio e homicídios por causa da orientação sexual ou identidade de
gênero da vítima.
Homofobia
não é crime no Brasil?
Não.
Quando há uma ocorrência envolvendo agressão contra homossexuais, o caso é
tratado como lesão corporal, ofensa moral (injúria, calúnia ou difamação) ou
tentativa de homicídio. As ações pedem que o STF reconheça o conceito de
"raça social" para punir agressores dentro da lei antirracismo
(7.716/89).
O
que diz a lei antirracismo?
A
lei antirracismo, de 1989, prevê que crimes resultantes de discriminação ou
preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional sejam punidos
com um a cinco anos de prisão. Também estão previstas penas alternativas, fora
do sistema penal.
Qual
é a relação entre homofobia e racismo?
Segundo
Paulo Iotti, advogado e proponente das ações, há um entendimento do próprio
Supremo de que racismo é qualquer ideologia que inferiorize um grupo social em
relação a outro. A homofobia seria considerada, portanto, um tipo de racismo
sob os aspectos políticos e sociais de raça, e não biológico. O crime de
discriminação por raça, previsto na lei antirracismo, iria abranger tamém os de
orientação sexual e identidade de gênero.
O
que muda na legislação?
Não
haverá alteração no texto da legislação penal brasileira. O efeito é
vinculante, ou seja, a Corte entende que há uma lacuna na Constituição no que
diz respeito às vítimas de homofobia. Reconhecendo essa omissão no julgamento
desta semana, na prática, o entendimento do Supremo passa a nortear as decisões
de magistrados de todo o País, que passarão a interpretar homofobia como crime
de discriminação por raça.
Os
homofóbicos vão ser presos?
As
mesmas penalidades da lei antirracismo devem ser aplicadas para homofobia e
transfobia. Portanto, agressor pode ser preso com pena de reclusão de um a
cinco anos, mas também poderá cumprir a pena com multa ou prestação de serviço
à comunidade. O argumento dos proponentes da ação é de que, como a lei prevê
cumprimento da penalidade alternativa, o sistema carcerário não seria
sobrecarregado.
MSN Notícias
Rafael Moraes Moura
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Rafael Moraes Moura